Posses impossuídas

"Tem agora uma idade respeitável, embora não se considere respeitável. Em seus tempos de glória, foi um galinha assumido. Não dava em cima de todas, pelo contrário, era tímido, mas dava outra coisa mais importante e eficaz: ficava adrede a que dessem em cima dele, o que nem sempre era freqüente, mas acontecia de vez em quando.

Com as limitações de tempo e espaço, descobriu um prazer inesperado nas posses não possuídas, nas aventuras que não chegavam a se consumar. De início, achava frustrante, culpava-se pela idade e pelo senso de responsabilidade, que dificultava o bote fatal: não podia errar e, para evitar o erro, ficava na dele e deixava acontecer o "clinch" (aquele recurso dos boxeadores, que se abraçam no ringue quando um deles está sendo surrado, na iminência do nocaute).

De suas façanhas mais recentes, contou-me duas delas. A primeira foi em viagem de navio. Ele pensava que estava perseguindo uma jovem até que descobriu que o perseguido era ele. Pequeninos encontros nos deques, nos corredores, em volta da piscina. Naquela manhã, ela sentou-se em frente, acintosamente, ficou olhando, só olhando. Ele também, lia um livro, fechou o livro, ficaram um tempão imaginando cada qual como o outro seria. Só isso.

E houve a outra moça, de vastos seios naturais e olhos escuros, na fila do check-in, num desses aeroportos domésticos. Praticamente nem se olharam. Apenas tomaram conhecimento um do outro. Ela acompanhava a mãe no guichê de idosos. Ele nunca usara do broxante direito da idade, mas ficou ao lado dela.

Por coincidência, iam no mesmo vôo. Ficaram sentados na mesma fila, ele no corredor, ela no meio, a mãe na janela. Nunca a imobilidade foi tão tumultuada. Até o ritmo da respiração era comum, sincronizado como na posse. Nenhuma palavra, somente a tensão de estarem próximos. No final da viagem, o olhar no fundo de cada um. Agradecimento -e lástima do que poderia ter sido."

O Cony sabe da coisas.

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